Entenda como manter a saúde mental no intercâmbio e lidar com os principais desafios no mundo pós-pandemia.
Uma viagem ao exterior é extremamente agregadora para a vida de uma pessoa. O conhecimento adquirido. Os vínculos feitos. As experiências vividas. Tudo isso permanece para sempre na mente e no coração de alguém que se abre a esses novos horizontes. Porém, também traz desafios que exigem muito da saúde mental do intercambista.
Sabemos que as doenças psicossomáticas já afetam uma grande parte dos brasileiros. Segundo dados da OMS (Organização Mundial da Saúde), cerca de 20 milhões de pessoas sofrem de ansiedade, tornando o Brasil o primeiro país no ranking mundial com mais ansiosos.
Já a depressão é diagnosticada em cerca de 12 milhões de brasileiros, nos colocando no segundo lugar do ranking global.
A pandemia trouxe ainda maiores dificuldades em termos de saúde mental. Para se ter uma ideia, 53% dos brasileiros sentiram piora no bem-estar emocional desde o começo da crise sanitária, assim como italianos (54%), húngaros (56%), chilenos (56%) e turcos (61%), segundo dados do Fórum Econômico Mundial.
Diante disso, o mundo pós-coronavírus exigirá dos estudantes ainda mais preparo psicológico para desfrutar dessa experiência de maneira plena, leve e divertida.
Nesse sentido, para entendermos um pouco mais de todos os cenários que esse tipo de viagem envolve e como lidar com os desafios, eu conversei com Beatriz Brito, Psicóloga e Especialista em Terapia Cognitivo Comportamental pelo CETCC. Confira abaixo!
Principais desafios antes e durante o intercâmbio
Pesquisar agência. Procurar escola. Estudar as regras do país. Entender o processo de visto. Estudar o idioma local. Compreender a cultura. Juntar dinheiro. Comprar malas, roupas, acessórios e equipamentos para a viagem. Tirar o passaporte.
Ufa! O intercâmbio envolve tantos processos que é, praticamente, impossível mensurá-los completamente neste post. Tudo isso já traz desafios para o intercambista antes mesmo de ele realmente sair do Brasil.
Para Beatriz, a dificuldade mais notória é a ansiedade. “A ansiedade é algo normal. Ficamos ansiosos antes de uma data de aniversário ou antes de uma entrevista de emprego, isso é extremamente normal e faz parte de nós como seres humanos. Sentir ansiedade antes de uma viagem como essa, que é bastante significativa para a nossa vida e que vai gerar diversas mudanças, é muito natural”, declara.
“O que é alarmante é o excesso. Todo o excesso é preocupante e patológico. O excesso disso é quando a pessoa começa a ter pensamentos intrusivos sobre o intercâmbio. Pensamentos esses que ela tem pouco controle e que representam situações altamente improváveis de acontecer”, pontua a profissional.
De acordo com Beatriz, essa ansiedade patológica gera reflexos na vida pessoal e profissional do intercambista, afetando também a saúde física, emocional e cognitiva, prejudicando o processo de organização para a viagem.
Outro desafio muito comum é a independência. Aqui no Brasil, diversos jovens e adultos moram com outras pessoas e dividem as despesas da casa, responsabilidades e outras obrigações.
No intercâmbio, o processo é diferente e muitos desses estudantes imaginam que não estão preparados para viverem uma vida fora do país de origem.
“Quando uma pessoa cresce com um adulto de referência e sai desse lugar seguro, enfrenta um ambiente novo em que ela será responsável por tudo: comprar, pagar, procurar casa, ver onde ele vai morar, ir no supermercado… Tudo isso gera expectativas e inseguranças, em que o estudante se faz perguntas como ‘será que eu vou conseguir sozinho?’, ‘como eu vou sustentar uma casa?’, ‘como eu vou trabalhar?”, declara Beatriz.
Outra dificuldade comum é a saudade. “O aluno vai sentir saudade da família, dos amigos, do dia a dia aqui no país de origem, porque as coisas podem ser muito diferentes em outro país. Desde a maneira como as pessoas lidam com as situações e fazem amizades, até o trabalho novo e o curso”, ressalta.
Como se preparar emocionalmente para um intercâmbio ainda aqui do Brasil?
Como visto, o intercâmbio exige muito da saúde mental do estudante antes mesmo que ele chegue ao país de destino. Aqui do Brasil, lidar com todos esses desafios, pode ser um processo dificultoso e a Beatriz Brito nos deixa algumas dicas para se preparar.
O primeiro passo é entrar em contato com as coisas relacionadas à viagem. Entender onde esse estudante vai morar, o bairro e conhecer um pouco mais sobre o país.
Esse processo precisa ser natural e aos poucos, pois o excesso de informações também pode gerar ansiedade patológica e acelerar a formação de pensamentos intrusivos que “boicotem” a organização do aluno.
O segundo passo pontuado pela psicóloga é a comunicação. “É preciso conversar com os amigos, pais e outras pessoas sobre o intercâmbio e dividir as preocupações. Falar o que está sentindo é muito importante para a gente lidar com as nossas próprias emoções, tanto emoções agradáveis quanto desagradáveis”, declara.
Beatriz também ressalta que os bons vínculos permitem que os futuros intercambistas consigam dividir emoções, angústias e alegrias. No entanto, é preciso ficar atento e buscar ajuda quando necessário.
“Se não conseguir lidar com aquelas situações, a pessoa pode buscar ajuda psicológica aqui mesmo no Brasil. Como os atendimentos são online, uma modalidade que começou durante a pandemia e veio para ficar, a pessoa pode começar um processo de psicoterapia já no Brasil e depois continuar com esse mesmo profissional no país de destino”, aconselha Beatriz.
Um último ponto importante diz respeito ao aproveitar o aqui e o agora. Muitas vezes, o intercambista fica tão envolvido com os preparativos da sua viagem do futuro que esquece do presente. De curtir a família e o relacionamento. Passar tempo com os amigos. Fazer coisas que gostaria de fazer antes mesmo de sair do Brasil.
Sabemos que o intercâmbio é um processo caro e que, para arcar com essas despesas, o aluno se envolve em trabalhos extras. No entanto, é preciso sempre manter o equilíbrio no presente também, de modo a aproveitar ao máximo cada fase da sua vida.
Como lidar com as dificuldades durante o intercâmbio?
“Eu gostaria de falar aqui que o estudante não terá nenhuma dificuldade, mas isso é uma mentira. Em qualquer lugar do mundo terão dificuldades e perrengues. É normal e a gente precisa estar ciente disso”, pontua Beatriz.
Para ajudar os intercambistas a lidarem com esses desafios, a psicóloga nos deixa três conselhos:
Ter bons vínculos com o seu país de origem e fazer novas amizades
No fim das contas, o que importa para nossa vida são as pessoas, tanto as que ficaram por aqui, quanto as novas que conheceremos. São as pessoas que vão nos escutar, nos ajudar, nos aconselhar e nos apoiar.
Por isso, Beatriz Brito pontua a importância de se manter vínculos com as pessoas do seu país de origem, sejam familiares ou amigos.
“Seria bacana fazer chamadas de vídeo em grupos com mais de um familiar e amigo, compartilhar os perrengues e as conquistas, porque são essas pessoas que conhecem você, intercambista, profundamente, então entende-se que elas vão compreender quando você contar sobre seus sentimentos”, relata.
Manter esse contato também ajuda a lidar com a saudade, um sentimento tão comum e desafiador na vida dos intercambistas.
“Uma maneira que pode ajudar a enfrentar a saudade é compreender que as pessoas aqui do Brasil o amam e estão o apoiando. Assim como pensar no quanto essa fase é importante para você. Nós temos ciclos na nossa vida e a saudade é como se fosse um ‘preço a pagar’ pela realização do seu sonho”, reflete a psicóloga.
Além disso, o estudante precisa se abrir completamente para essa experiência e fazer novos vínculos no país de destino também. É necessário contar com alguém com quem ele possa compartilhar essas dificuldades e, muitas vezes, essa outra pessoa o entende, por estar também em uma situação semelhante.
“Essa rede de contatos fora do país é importante também para você se adaptar socialmente e descobrir novas habilidades. Ao se conectar com pessoas de diferentes culturas, você consegue imergir ainda mais no seu processo de intercâmbio e muitas dessas amizades, após o intercâmbio, ficam para sempre. É, inclusive, uma oportunidade de você ir para outros países futuramente visitar esses amigos que você fez e eles te visitarem no Brasil também”, finaliza Beatriz.
Adquirir autoconhecimento
“A gente apenas reconhece as nossas forças passando por dificuldades e obstáculos”.
O intercâmbio é um processo que nos tira totalmente da nossa zona de conforto e isso faz com que nos conheçamos de outra maneira. Lidaremos com situações que nunca, jamais, imaginamos aqui no Brasil.
Tudo isso produz experiências, maturidade e, principalmente, autoconhecimento. Por isso, é preciso entender que as dificuldades existem e, muitas delas, não estão no nosso controle. Apenas podemos administrar a maneira como reagimos a esses desafios.
No entanto, Beatriz nos lembra que “tudo isso é um processo e se você puder compartilhar esse processo, seja com os vínculos no país de origem ou com novos vínculos, as coisas tendem a ficar menos desconfortáveis”.
Respeitar o tempo de adaptação
Por fim, a psicóloga nos aconselha a sempre aceitar o nosso tempo de adaptação em outro país:
“Não existe uma fórmula para o estudante se adaptar mais rápido. Com a experiência que eu tenho, cada um teve o seu tempo, então é muito importante respeitar esse período de adaptação, não se comparar com ninguém e vivenciar cada momento e cada dia, se conectar mesmo com o aqui e o agora”.
Como buscar ajuda durante o intercâmbio?
Um dos maiores terrores dos intercambistas é a possibilidade de precisar de qualquer tipo de atendimento médico lá fora. Afinal, muitos países não são parecidos com o Brasil, em que temos um sistema público de saúde que funciona para todos. Cada destino possui suas regras e valores.
No entanto, isso não pode ser motivo de medo. Existem diversas opções de se resguardar caso algum problema de saúde ocorra. Mas e a saúde mental? Como conseguir ajuda em um país tão distante e com uma cultura tão diferente da nossa?
Para Beatriz, o mundo digital trouxe uma luz no fim do túnel: “Por conta da pandemia, muitos profissionais estão atendendo virtualmente, o que facilitou os tratamentos. Então, o intercambista pode buscar profissionais brasileiros da sua própria cidade ou de confiança da família”.
“Como também, nasceram muitas plataformas de atendimento psicológico online que possuem um valor simbólico, que talvez o intercambista possa arcar com mais facilidade”, ressalta.
Além disso, para a psicóloga, buscar grupos de apoio também é um mecanismo de ajuda, como é o caso de grupos de intercambistas ou brasileiros nas redes sociais, em que o estudante consegue interagir com outras pessoas que estejam passando por desafios semelhantes.
Como lidar com a frustração em tempos de pandemia?
A pandemia chegou de maneira totalmente inesperada e mudou completamente os nossos planos para o futuro. Alguns países estão há mais de um ano com as fronteiras fechadas, o que obrigou milhares de estudantes a postergar o sonho do intercâmbio.
“Conheço muitos amigos, pacientes e colegas que precisaram adiar a viagem por causa da pandemia e a frustração é o primeiro sentimento que vem, porque o intercâmbio é um sonho que, muitas vezes, a pessoa planejou por muito tempo e o que aconteceu é algo totalmente fora do controle dela”, relata Beatriz.
No entanto, de acordo com a psicóloga, o momento não é de desistência e sim de espera. A viagem vai acontecer em um momento mais oportuno e seguro, tanto para o próprio estudante, quanto para os seus familiares e outras pessoas do país de destino.
Por essa razão, Beatriz nos aconselha a “transformar essa frustração em ações”, isso significa que o intercambista pode aproveitar esse período de adiamento para se preparar melhor, juntar mais dinheiro, fazer novos roteiros, buscar mais informações, estudar o idioma e se capacitar profissionalmente.
Como também, é preciso estar atento ao momento em que tudo isso passar. “Após a pandemia, podemos ainda lidar com algumas consequências pelo tempo de isolamento social, principalmente pessoas que pegaram COVID ou perderam um ente querido. O impacto para a nossa saúde mental pode trazer alguns transtornos”, alerta Beatriz.
Por essa razão, é preciso observar e adquirir o autocuidado. “Se for preciso um acompanhamento psicológico antes ou durante o intercâmbio, é possível contar com ajuda de profissionais especializados, que trabalham com esse tipo de público, e é super normal fazer terapia enquanto faz o intercâmbio”, relata.
Além disso, a psicóloga também aconselha que o futuro intercambista esteja atento às mudanças no seu país de destino em relação à saúde, como exigências de vacina, testes, quarentenas ou outras regras que possam mudar os padrões da organização da sua viagem.
“Se eu pudesse deixar um conselho para os estudantes que estão ou vão realizar um intercâmbio, seria: aproveitem ao máximo essa oportunidade e cada momento do sonho de vocês. Desfrutem de tudo isso e saibam que vocês nunca estão sozinhos!”, finaliza Beatriz.